Por Angela Welters e Junior Garcia
A diretora executiva da ONU mulheres publicou na semana passada artigo em que explicita como a pandemia de Covid-19 impacta desproporcionalmente as mulheres, seja por estarem mais presentes na linha de frente, no cuidado dos doentes como médicas e enfermeiras, seja pelo cuidado nos lares através do trabalho doméstico não-remunerado, que agora ganha maior visibilidade.
Outro aspecto, mencionado no artigo, e que veio à tona, inclusive, com declarações do governo brasileiro, é de que o isolamento social está aumentando a violência doméstica. Na realidade, a pandemia de COVID-19 está colocando em evidência a desigualdade social presente há séculos em nosso país, inclusive, a desigualdade de gênero, que mostra sua face mais obscura através da perpetração da violência doméstica.
Em “períodos normais” o Brasil apresenta um feminicídio a cada 7 horas, ou seja, mais de mil mulheres perdem suas vidas por ano apenas por serem mulheres. Em 2019, por exemplo, houve aumento de 7,3% nos casos de feminicídio no Brasil, comparativamente a 2018. Em 88,8% dos casos o autor foi o companheiro ou ex-companheiro da vítima, segundo dados do Fórum Nacional de Segurança Pública.
Além disso, o Brasil apresentou um caso de violência doméstica com lesão corporal dolosa a cada 2 minutos, ou seja, mais de 260 mil ocorrências por ano. Logo, o lar é local mais perigoso para as mulheres, não apenas no Brasil, mas no mundo. A solução para a violência doméstica não é, portanto, o retorno à “normalidade” ou mesmo culpar o isolamento social, tão necessário neste momento.
A violência doméstica, portanto, não é problema do isolamento social! É um grave problema estrutural da nossa sociedade, uma verdadeira epidemia, ou pandemia, que as mulheres vivem há séculos no Brasil e no mundo, para a qual parece não haver vacina ou mesmo interesse da sociedade em erradicar e muito menos dos políticos! Neste momento, o comportamento da sociedade e dos políticos revela sua face mais perversa, culpando o isolamento social pelo aumento dos registros de violência doméstica.
O fato é que o aumento dos casos de violência às mulheres deve ser reportado, e uma rede de apoio precisa ser construída para dar acolhimento às vítimas deste tipo de violência. Acabar com o isolamento social não tornará os lares locais de segurança e de acolhimento, mas colocar para debaixo do “tapete social” tal epidemia.
É preciso que haja uma mudança profunda de comportamento e educação dos agentes da violência, ou seja, dos homens.
Nesta crise, temos a oportunidade de refletir e agir para mudar realidades ou realmente queremos voltar à “tal normalidade”, em que milhares de mulheres e meninas são mortas todos os anos? O combate a violência doméstica certamente deve ser um objetivo social, tanto agora, como no futuro pós-pandemia.
Angela Welters – Professora do Departamento de Economia e Coordenadora do NESDE (Núcleo de Estudos em Economia Social e Demografia Econômica) da Universidade Federal do Paraná.
Junior Garcia – Professor do Departamento de Economia e Coordenador do Grupo de Estudos em MacroEconomia Ecológica (GEMAECO) da Universidade Federal do Paraná.