O enfrentamento à pandemia do Covid-19 em vários países tem mostrado o sucesso das políticas emergenciais de restrição à circulação de pessoas, fechamento do comércio não-essencial, incluindo restaurantes e prestadores de serviços não-essenciais, entre outras medidas. Países que demoraram a adotar essas medidas, como a Itália, Espanha e os Estados Unidos, estão sendo vítimas brutais da letalidade da doença, pois não houve atenção em bloquear as cadeias de contágio. Embora pareçam ser medidas duras, tais ações são recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e Organização Pan-americana da Saúde (OPAS).
Tal como divulgado na mídia não-especializada, sob o lema “ajude a achatar a curva”, o isolamento social permite que se reduza a taxa de contágio do vírus, bem como não sobrecarrega a capacidade do sistema de saúde. A literatura documenta que o vírus, embora não cause maiores danos à saúde para a maioria infectada, traz um custo alto ao sistema de saúde de internação. Ademais, ainda não se sabe os impactos sobre a vida posterior do indivíduo que permaneceu internado pela doença. Isso sem contar, obviamente, a tragédia humana e os custos em termos de vidas perdidas pela doença.
Nos países em desenvolvimento, em especial o Brasil, estima-se que os efeitos previstos da pandemia do COVID-19 serão perversos. O isolamento social, embora desejável, é dificultado pela grande desigualdade de renda e social. Mais da metade da população encontra-se no mercado de trabalho informal e não tem acesso às redes de proteção social. Para aqueles que estão cobertos pelo sistema de seguridade social, os benefícios até então propostos pelo governo, embora sejam bem-vindos, estão aquém das necessidades diárias das famílias.
Para além da desigualdade econômica, o perfil demográfico brasileiro deve ser levado em consideração. No Brasil, há um elevado grau de convivência entre adultos e idosos, o que faz com que a população idosa fique ainda mais vulnerável. Ademais, com o fechamento das escolas, as crianças, que não têm atendimento das creches e do sistema de ensino público ou privado, muitas vezes contam com a ajuda dos avós, o que traz novamente maior vulnerabilidade para as famílias.
Para além de todas essas vulnerabilidades, a questão da gestão da crise institucional no país é grave. Enquanto parte dos prefeitos e governadores adotam medidas de isolamento social e prevenção contra o COVID-19, parcela do poder executivo federal não apenas desdenha do problema, como incentiva a população a não atender aos requisitos estabelecidos pelo próprio Ministério da Saúde. Tal conflito de regras causa confusão na população brasileira. Trata-se de um momento importante de harmonia institucional para que a gestão da crise se dê de forma efetiva.
Em termos de políticas públicas, urge a adoção de uma distribuição de renda efetiva, com transferência progressiva e taxação das grandes fortunas, além das demais medidas listadas anteriormente, quais sejam: alinhamento imediato às normatizações de saúde da OMS e OPAS; renda mínima em um patamar suficiente para atender ao bem-estar da população, garantia do provimento de bens e serviços essenciais e alinhamento institucional nas três esferas de poder.
Acreditamos que, num contexto de pandemia e de vulnerabilidade global, os governos e as organizações internacionais devem assumir um papel ativo de enfrentamento da crise. Medidas de ajuste fiscal devem ser revistas para que o governo, como agente centralizador, possa estimular a economia e garantir a subsistência à população e aos pequenos e médios empresários. Os organismos internacionais e países desenvolvidos também devem destinar renda ao auxílio emergencial aos países pobres e bom baixo índice de desenvolvimento humano.
Por fim, ressaltamos que a pandemia do COVID-19, em um patamar mais geral, coloca toda a população mundial em uma posição de questionar os atuais padrões de consumo, da relação entre trabalhadores e empregadores, da governança local e mundial, da relação com o meio ambiente e mesmo da paz entre os povos. Enfim, qual mundo vai restar para a geração presente e as que virão?
Curitiba, 31 de março de 2020
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Professores(as), pesquisadores(as), servidores públicos, discentes e da sociedade em geral, abaixo assinados:
Angela Welters, Professora, Núcleo de Estudos em Economia Social e Demografia Econômica, UFPR
Junior Ruiz Garcia, Professor, Núcleo de Estudos em Economia Social e Demografia Econômica, Grupo de Estudos em Macroeconomia Ecológica, UFPR
Denise Maria Maia, Professora, Núcleo de Estudos em Economia Social e Demografia Econômica, UFPR
Raquel Guimarães, Professora, Núcleo de Estudos em Economia Social e Demografia Econômica e Núcleo de Estudos sobre o Terceiro Setor e Tecnologia e Negócios Sociais, UFPR
Elisangela Scaff, Professora, do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná. Membro do Núcleo de Politicas Educacionais
Fabiane Cristina Silva Mesquita, Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Ignácio Dotto Neto (SIBI/UFPR)
Luiz Marques, Universidade Estadual de Campinas – Unicamp
José Eustáquio Diniz Alves, professor aposentado
Henrique Vinicius de Oliveira, UFPR
Marcos Gonçalves, Professor do Departamento de História da Universidade Federal do Parana
Flávio Tayra, Professor adjunto – Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
Patricia Gava Ribeiro, Universidade Tecnológica Federal do Paraná
Lucas Miranda Costa Pinto, Universidade Federal do Paraná
Marion Brepohl de Magalhaes, Presidente da Associação Paranaense de História
Elza de Fátima Dissenha Costa, Secretaria de Estado da Educação do Paraná
Fernando Antonio Prado Gimenez, Professor da UFPR
Ricardo Batista Reis, Universidade Federal do Paraná
Igor Z C C Leão, Universidade Federal do Paraná
Everton de Andrade, Economista, Curitiba, Paraná
Murilo Botelho, Universidade Federal do Paraná
Itamara Peters, Universidade Federal do Paraná
Adriana Ripka, UTFPR
Andreia Rabello de Souza, Universidade Positivo
Niklas Weins, Universidade Estadual de Campinas
Joseph S. Weiss, Universidade de Brasília
Milena Martins do Nascimento, Universidade Federal do Paraná
Ariane Domborovski, Aluna da UFPR, coordenadora do Coletivo Feminista Daisy e Conselheira Municipal dos Direitos da Mulher de Curitiba
Ana Laura Santos Stachuk, Universidade Federal do Paraná
Filipe Azevedo Grabovski, Universidade Federal do Paraná
José Moraes Neto, Professor Aposentado do Departamento de Economia da UFPR
Gabriel Lehmann, Universidade Federal do Paraná
Allan Ruivo Wildner, Universidade Federal do Paraná
Tiago Soares Barcelos, Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará
Daniel Caixeta Andrade, Universidade Federal de Uberlândia
Carolina Gonçalves, Bacharelado em Ciências Econômicas, UFPR
Dayane Rocha de Pauli. Universidade Federal do Paraná
Giorgio Beltrami Gonzalez, PDT
Jéssica Schons, Discente da Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Ângela Broch, Professora de Economia
Julia Emanuele Oliveira Spies, Universidade Federal do Paraná
Mariana do Prado Guinsk, Universidade Federal do Paraná
Gabriela Zandonadi Mauricio, Estudante do curso de ciências econômicas da Universidade Federal do Paraná
Alice Yano, Universidade Positivo
Akio Okisasaki Ferrari, Universidade Federal do Paraná
Virginia Laura Fernández, Universidade Federal do Paraná/ Universidad Nacional de Rosario, Argentina
Madison Gonzalez García, Analista Ambiental/ Mestranda em Geografia da UFPR
Liana Carleial, Professora Titular aposentada do Departamento de Economia. Professora convidada do Programa de pós-graduação em Direito da UFPR e Pesquisadora do Núcleo de Direito Cooperativo e Cidadania (NDCC) da UFPR.
Gustavo Fontes Duarte, Universidade Federal do Paraná
Guilherme Fontes Duarte, Universidade Federal do Paraná
Fernanda Dante, Sociedade Civil
Ramon Bilha Azenha, Universidade Federal do Paraná
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